Metrópolis (1927)

 

O expressionismo alemão foi um respeitado movimento marcado por um estilo visual forte, caracterizado pela iluminação low-key, formas geométricas, ângulos de câmera oblíquos e contrastes marcantes entre luz e sombra. As narrativas costumavam ser melodramáticas, abordando enredos tanto góticos quanto sobrenaturais. Na época, a República de Weimar vivia uma desordem política, sofrendo os traumas da derrota na Primeira Guerra Mundial e a incerteza de constantes mudanças no governo.

O nascimento de Metrópolis

O filme conta a história de uma revolução de trabalhadores em uma ditadura futurista. Essa revolução, no entanto, é orquestrada por uma conspiração entre o governo de Metrópolis e um cientista louco, que pretende desacreditar um movimento de libertação dos trabalhadores, cujas características combinam elementos cristãos e comunistas. Os trabalhadores destroem a fábrica e inundam suas próprias casas, mas, no final, a ordem é restaurada. O filho do governante media um acordo entre os trabalhadores e o patrão. Embora o filme reconheça a opressão dos trabalhadores, as imagens mostram os trabalhadores entregando o poder a um governante que, agora, se mostra humanizado. 

Nesse ponto, Fritz Lang, o diretor, não era abertamente político e certamente não simpatizava com o nazismo. No entanto, Hitler interpretou o filme de maneira diferente, admirando sua dramatização de uma filosofia fascista. Tanto que ficou tão impressionado com Lang, mesmo sendo judeu, que lhe ofereceu o posto de chefe da indústria cinematográfica alemã. Felizmente, Lang fugiu da Alemanha nazista, migrando para os Estados Unidos, onde, durante a Segunda Guerra Mundial, ficou conhecido principalmente por seus filmes antinazistas.

A história e ideologia de Lang eram bastante inconscientes. Ele não era nazista, tampouco pró-nazista. Seu filme, contudo, agradou a Hitler. Isso porque Lang utilizava os elementos disponíveis na cultura da época, tanto em termos de linguagem quanto de significados, com a suposição de que o envolvimento político era sempre indesejável e que a política reformista tinha conotações messiânicas ou marxistas. 

O pentagrama utilizado para representar o aspecto maligno do cientista Rotwang, com sua semelhança à estrela de Davi, evoca antissemitismo. A visão do filme sobre o povo, retratado como uma entidade crédula que precisa ser salva de si mesma, provavelmente tem raízes culturais. O nazismo, assim como Metrópolis (1927), apropriou-se de muitos desses pressupostos e significados.

A Ideologia

É importante destacar que a ideologia de um filme não se manifesta por meio de declarações diretas sobre a cultura, mas sim através de sua estrutura narrativa e dos discursos que utiliza. Mesmo em um melodrama convencional com um enredo amoroso, por exemplo, a ideologia está presente.  

Metrópolis não é um filme focado nos personagens. Seu maior atributo é a descrição que faz de um mundo. Isso significa que o filme precisa resolver tanto os conflitos sociopolíticos quanto os dilemas pessoais dos personagens. É típico da ideologia transformar diferenças sociais ou políticas em questões pessoais, que devem ser resolvidas no nível individual, e não político, como se fossem sinais de fraqueza pessoal e não do sistema sociopolítico. Metrópolis  resolve o conflito amoroso, mas a estrutura sociopolítica do mundo pouco muda. Além disso, o poder das massas é retratado como uma verdadeira ameaça, o que legitima a necessidade de controle. No final, as massas parecem precisar de proteção contra si mesmas, e o futuro é confiado novamente ao governante.

O filme é composto por uma série de movimentos e contramovimentos, motivados tanto narrativamente quanto ideologicamente. As imagens iniciais associam explicitamente o totalitarismo ao capitalismo, retratando o senhor de Metrópolis como um industrial. 

No entanto, as alternativas socialistas, embora insinuadas, não são sustentadas. A robô Maria funciona como uma metáfora para a tensão do comunismo revolucionário, e seu caráter destrutivo serve como um aviso contra essas ideias. A destruição que ela causa legitima a necessidade de uma autoridade restritiva, de uma "cabeça" que controle as "mãos". Quando o governante passa por uma transformação que "humaniza seu coração", o governo volta a ser benevolente e paternalista. Essa é a única concessão feita aos trabalhadores: eles devem entregar seu poder destrutivo de volta ao Estado.


O filme também apresenta uma profunda contradição, tanto formal quanto ideológica: as imagens poderosas da classe operária como vítima são revertidas, transformando-a no agente de sua própria destruição. Em outras palavras, a crítica à dominação de classe e ao capitalismo é superada pelo medo do comunismo e da transformação social descontrolada. Esse último aspecto provavelmente atraiu Hitler — a união do grupo em torno da nação, da fé, e as representações melodramáticas de posições políticas alternativas.

Para lidar com a ideologia no cinema, é preciso relacioná-la às superfícies do texto, aos sistemas formais de significação. Ao fazer isso, podemos identificar ao menos duas leituras opostas, dois conjuntos de significados que poderiam fazer sentido para o público. O método de análise nos leva mais longe do que se poderia esperar na construção do texto, partindo do contexto e retornando à cultura que o produziu.

Portanto, é importante entender a natureza dinâmica da ideologia. Embora a cultura seja sujeita a construções hegemônicas, esse é um processo em constante mudança, e não um estado permanente. As constelações de interesses hegemônicos podem se alterar, e as ideologias também. Como mencionado, podemos ver esse processo nos filmes narrativos, onde ideologias se confrontam como opostos estruturais dentro da própria narrativa, sendo resolvidas no desfecho. O final do filme imita os processos individuais de tomada de decisões, de assumir posições e de encontrar sentido nas experiências cotidianas.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
TURNER, G. Cinema como prática social.  São Paulo: Summus, 1997.
CARRIÈRE, JC. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

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