Notícias de Casa (1976)

 

Notícias de Casa (1976) é, antes de tudo, um documento visual e etnográfico da Nova York dos anos 70.

O filme não segue uma narrativa convencional, mas Akerman consegue expressar seus ideais estéticos de forma genuína, explorando a geografia da cidade dentro de um tempo único. As luzes sombrias criam uma atmosfera de normalidade sobre a vida urbana, pulsante e subversiva, da América daquele período.

O filme é uma das críticas mais impactantes ao processo criativo. Ele retrata a potencial perda de conforto, de humanidade, e o mergulho na imensidão viva de uma cidade que é essencial para compreender a faísca criativa de Akerman.

A obra sugere que essa perda de humanidade, ainda que negativa, é transitória. Embora o distanciamento e a determinação possam parecer quase egoístas na busca por um talento artístico surpreendente, a jornada é mais circular do que linear. Ou seja, a necessidade de lidar com a autodepreciação acaba sendo anulada pelo sucesso artístico alcançado.

O pintor Edward Hopper disse uma vez: "Talvez eu não seja muito humano - o que eu queria fazer era pintar a luz do sol ao lado de uma casa." Akerman canaliza essa ideia e a responde de maneira implícita, através de uma justaposição natural. Ela se mudou para Nova York no início dos anos 70 para estudar cinema, mas antes disso trabalhou em empregos mal remunerados, incluindo a venda de ingressos em um cinema pornô, para financiar seu trabalho.

Akerman argumenta que é humano documentar aspectos da vida urbana, mas também defende que esse gesto só ganha valor quando há uma reflexão pessoal. O filme está intimamente ligado à sua vida, com a presença da voz de sua mãe lendo cartas genuínas enviadas à jovem diretora. Isso confere uma camada humanista à obra, mas, ao se comparar com seus primeiros sucessos, fica claro que Akerman também se confronta com sua própria luta criativa e a crescente distância emocional em suas palavras.

O espectador nunca ouve as respostas de Akerman às cartas da mãe, mas fica evidente que essas respostas se tornaram menos frequentes e mais distantes. Ela opta por esconder aspectos da vida que levava para preservar sua dedicação à criatividade.

A voz da mãe revela o desespero de não saber como a filha está se sustentando, enquanto Akerman, mesmo recebendo apoio financeiro, evita compartilhar detalhes, como mudanças de apartamento. O amor e o desejo pela união familiar, especialmente por parte dos pais, estão em conflito com a filosofia de vida que Akerman seguia.

Ao caminhar pelas vibrantes e, por vezes, tensas ruas de Nova York, Akerman tenta encontrar seu caminho criativo. Para isso, teve de se desapegar do conforto familiar e enfrentar o lado mais humano e sacrificial de sua existência. Se ela não tivesse abraçado o ideal de Hopper, talvez nunca tivesse feito os filmes que a levaram ao sucesso, permitindo-lhe, um dia, voltar para casa — um tema que também explora em Os Encontros de Anna (1978).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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